"MOBBING" - Violência psicológica no trabalho
Por: Márcia Novaes Guedes
Juíza do Trabalho da 5ª Região/BA - Membro do IBDT - Instituto Bahiano de Direito do Trabalho
Juíza do Trabalho da 5ª Região/BA - Membro do IBDT - Instituto Bahiano de Direito do Trabalho
Publicado na revista Justiça do trabalho número 241, p.89
SUMÁRIO
1. Introdução
2. Assédio Moral não é Assédio Sexual
3. O que é e o que não é "Mobbing"
4. Como se defender do "Mobbing"
5. Conclusão
O presente artigo é uma breve resenha do livro Terror Psicológico no Trabalho (LTr, março/2003) da autora.
1. INTRODUÇÃO
"Mobbing", assédio moral ou terror psicológico no trabalho são sinônimos destinados a definir a violência pessoal, moral e psicológica, vertical, horizontal ou ascendente no ambiente de trabalho. O termo "mobbing" foi empregado pela primeira vez pelo etologista Konrad Lorenz, ao definir o comportamento de certos animais que, circundando ameaçadoramente outro membro do grupo, provocam sua fuga por medo de um ataque.
O "mobbing" não é uma violência específica do mundo do trabalho, verifica-se também na escola e na família. Na escola tanto pode ocorrer na relação professor / aluno, como na relação entre colegas estudantes. Hoje já existem estudos dedicados ao "mobbing infantil".
No ambiente familiar, a violência oriunda do "mobbing" normalmente é camuflada e vista como uma simples relação de dominação.
No mundo do trabalho, o assédio moral ou "mobbing" pode ser de natureza vertical - a violência parte do chefe ou superior hierárquico; horizontal - a violência é praticada por um ou vários colegas de mesmo nível hierárquico; ou ascendente - a violência é praticada pelo grupo de empregados ou funcionários contra um chefe, gerente ou superior hierárquico.
O terror psicológico no trabalho tem origens psicológicas e sociais que ainda hoje não foram suficientemente estudadas. Sabe-se, todavia, que, na raiz dessa violência no trabalho, existe um conflito mal resolvido ou a incapacidade da direção da empresa de administrar o conflito e gerir adequadamente o poder disciplinar. Por isso mesmo não se pode mitigar a responsabilidade dos dirigentes das organizações no exercício do poder diretivo. Tanto a administração rigidamente hierarquizada, dominada pelo medo e pelo silêncio, quanto a administração frouxa, onde reina a total insensibilidade para com valores éticos, permitem o desenvolvimento de comportamentos psicologicamente doentes, que dão azo à emulação e à criação de bodes expiatórios.
No "mobbing" ou assédio moral, a violência praticada não é percebida à primeira vista, porque os expedientes utilizados pelo agressor são bastante refinados. Essa espécie de violência se caracteriza precisamente pela freqüência e duração dos ataques, daí porque é denominada com propriedade de terror psicológico - expressão, aliás, por nós empregada para intitular a obra que ora resenhamos.
A vítima é enredada numa teia armada pelo perverso, que se utiliza de métodos comparáveis aos empregados pelos fascistas e pelos regimes totalitários para submeter os opositores.
A violência psicológica segue uma dinâmica identificada na qual o sujeito perverso emprega várias modalidades de agressões contra a pessoa. A ardileza das ações praticadas pelo perverso é de tal ordem que dificilmente todas elas encontrariam adequada resposta no rol de crimes aglutinados na legislação penal (veja-se a classificação descrita no livro "Terror Psicológico no Trabalho").
Como sabiamente já deduziu o leitor, a vítima do assédio moral ou terror psicológico é violentada no conjunto de direitos que compõem a personalidade. São os direitos fundamentais, apreciados sob o ângulo das relações entre os particulares, aviltados, achincalhados, desrespeitados no nível mais profundo. O mais terrível é que essa violência se desenrola sorrateiramente, silenciosamente - a vítima é uma caixa de ressonância das piores agressões e, por não acreditar que tudo aquilo é contra ela, por não saber como reagir diante de tamanha violência, por não encontrar apoio junto aos colegas nem na direção da empresa, por medo de perder o emprego e, finalmente, porque se considera culpada de toda a situação, dificilmente consegue escapar das garras do perverso com equilíbrio emocional e psíquico para enfrentar a situação e se defender do terrorismo ao qual foi condenada.
O dano pessoal, conforme a redefinição do dano moral - tese brilhantemente construída por Paulo Eduardo Vieira de Oliveira - é a conseqüência jurídica imediata que deflui da análise do fenômeno sob o ponto de vista da defesa dos direitos e interesses da pessoa humana.
2. ASSÉDIO MORAL NÃO É ASSÉDIO SEXUAL
Uma das primeiras preocupações que tivemos, inclusive na escolha do título do livro, foi precisamente afastar a imediata confusão que as pessoas costumam fazer entre assédio moral e assédio sexual (que entre nós é crime punível com detenção de um a dois anos, CP, art. 216A, desde a edição da Lei número 10.224 de 18.05.2001.
Dada a novidade do tema entre nós, observamos que a confusão é freqüente, até mesmo no meio especializado.
O "mobbing", assédio moral ou terror psicológico distingue-se do assédio sexual num ponto essencial: no assédio sexual a agressão normalmente é uma violência vertical, de cima para baixo, o agressor ocupa posição hierarquicamente superior ou detém posição privilegiada na empresa e abusa do poder que possui para chantagear a vítima, ameaçando-a com o desemprego, para obter favores sexuais. O assédio moral é uma violência multilateral, tanto pode ser vertical, horizontal ou ascendente (a violência que parte dos subordinados contra um chefe), é continuada e visa excluir a vítima do mundo do trabalho, seja forçando-a a demitir-se, a aposentar-se precocemente, como também a licenciar-se para tratamento de saúde. O efeito dessa espécie de violência na vítima é devastador. Uma pesquisa na Suécia verificou que o "mobbing" responde por cerca de 12% dos casos de suicídio. Na maioria dos casos de assédio sexual, o sexo e o grau de subordinação da vítima explicam o assédio. O mesmo não ocorre com o assédio moral.
No "mobbing", o agressor pode utilizar-se de gestos obscenos, palavras de baixo calão para agredir a vítima, detratando sua auto-estima e identidade sexual; mas diferentemente do assédio sexual, cujo objetivo é dominar sexualmente a vítima, o assédio moral é uma ação estrategicamente desenvolvida para destruir psicologicamente a vítima e com isso afastá-la do mundo do trabalho. A violência é sutil, recheada de artimanhas voltadas para confundir a vítima.
Conforme dissemos, os métodos empregados pelo perverso assemelham-se largamente com aqueles utilizados pelos fascistas para submeter as vítimas e conduzí-las ao cadafalso sem um protesto. Heinz Leymann definiu o "mobbing" como a pior espécie de estresse social e designou-o de psicoterrorpítulo "Mobbing e Fascismo").
3. O QUE É O E O QUE NÃO É "MOBBING"
Enquanto escrevíamos estas notas, tomamos conhecimento da primeira decisão judicial brasileira proferida pelo Tribunal de Vitória do Espírito Santo (RO 1315.2000.00.17.00.1), a qual classifica como assédio moral as perseguições sofridas por um técnico do setor de publicidade e propaganda.
Na petição inicial, o reclamante pede, dentre outros, indenização por danos morais em virtude de "perseguições de natureza ideológica". Do exame do acórdão, depreende-se que o reclamante foi preterido numa promoção, reagiu e se desentendeu com um colega, que recebeu a promoção.
Desde então, o gerente anunciou, em reunião para os demais empregados, que o reclamante estava proibido de entrar na biblioteca (local onde realizava suas atividades); e, por cerca de dois meses, ficou o reclamante sem receber trabalho, obrigado a ocupar uma escada interna do prédio, local "carinhosamente" denominado pelos colegas de "gabinete do Harold" - prenome do reclamante - segundo uma testemunha.
Uma segunda preocupação que partilhamos com os estudiosos desse fenômeno é precisar com exatidão o que é e o que não é "mobbing". Para Heinz Leymann - estudioso alemão, radicado na Suécia, que identificou como doença profissional enfermidades de natureza psicossomáticas, derivadas do "mobbing" - para que um quadro de violência psicológica possa ser caracterizado como de assédio moral, é necessário que tenha duração mínima de 6 (seis) meses e que os ataques se repitam numa freqüência média de duas vezes na semana. Muito embora tenha sido criticado pelo rigorismo, o parâmetro traçado por Leymann é seguido mundo afora pela grande maioria dos especialistas no fenômeno.
"Mobbing" não é uma ação singular, também não é um conflito generalizado. O terror psicológico é uma estratégia, uma ação sistemática, estruturada, repetida e duradoura. O "mobbing" não é um conflito furioso ocasional entre subordinado e superior hierárquico, uma transferência do empregado de um local de trabalho para outro, ainda que desvantajosa e prejudicial; não é a diminuição ou o excesso exagerado de trabalho; não é uma ordem de prestação de serviço humilhante; não é a determinação de prestar serviço em local incômodo e ergonomicamente desaconselhável; não é a anotação desabonadora na Carteira de Trabalho - acusando o empregado de falta grave, mesmo que se registre a suposta falta.
Também não se pode caracterizar como assédio moral ou terror psicológico o conflito generalizado e continuado dentro de um ambiente de trabalho doentio, dominado pelo estresse, onde impera o autoritarismo e a inobservância de normas trabalhistas e de segurança elementares. Sem dúvida que fatores organizativos têm um papel preponderante na saúde psicológica do ambiente de trabalho, e já está cientificamente provado que um ambiente de trabalho onde reina a denominada "administração por estresse" é laboratório de práticas eticamente nefastas, criadoras de bodes expiatórios para desafogo das frustrações coletivas e individuais. Além disso, há o "mobbing" estratégico que parte da direção da empresa e visa excluir um determinado empregado que por algum motivo se tornou incômodo para a organização.
Em 1993, Heinz Leymann definiu o fenômeno como um conflito cuja ação visa à manipulação da pessoa no sentido não amigável; essa ação pode ser analisada em três grupos de comportamentos:
Um grupo de ações se desenvolve sobre a comunicação com a pessoa atacada, tendendo a levar a pessoa ao absurdo ou à interrupção da comunicação. Com ele ou ela se grita, se reprova, se critica continuamente o trabalho, a sua vida privada, se faz terrorismo no telefone, não lhe é dirigida mais a palavra, se rejeita o contato, se faz de conta que a pessoa não existe, se murmura em sua presença, etc...
Outro grupo de comportamentos se assenta sobre a reputação da pessoa. As táticas utilizadas vão das piadinhas, mentiras, ofensas, ridicularização de um defeito físico, derrisão pública, por exemplo, de suas opiniões ou idéias, humilhação geral.
Enfim, as ações do terceiro grupo tendem a manipular a dignidade profissional da pessoa, por exemplo, como que para puní-la, não lhe é dado trabalho ou lhe dão trabalho sem sentido, ou humilhante, ou muito perigoso, ou, ainda, são estabelecidas metas de alcance duvidoso, levando a vítima a culpar-se e acreditar-se incapaz para o trabalho. Somente se estas ações são realizadas de propósito, freqüentemente e por muito tempo, podem ser chamadas de "mobbing".
A Lei Francesa (2000-73) sobre a modernização do trabalho, aprovada em 17 de janeiro de 2001, define o assédio moral nos seguintes termos:
Nenhum trabalhador deve sofrer atos repetidos de assédio moral que tenham por objeto ou por efeito a degradação das condições de trabalho, suscetíveis de lesar os direitos e a dignidade do trabalhador, de alterar sua saúde física ou mental e comprometa o seu desempenho profissional. Nenhum trabalhador pode ser sancionado, licenciado ou ser objeto de medidas discriminatórias, diretas ou indiretas, em particular no modo da remuneração, da formação, da reclassificação, da qualificação e classificação de promoção profissional, de modificação ou renovação do contrato, por ter sofrido ou rejeitado de sofrer os comportamentos definidos no parágrafo precedente ou por haver testemunhado sobre referidos comportamentos.
4. COMO SE DEFENDER DO "MOBBING"
A primeira e mais decisiva forma de defesa é a prevenção. Muito embora não se desprezem as causas psicológicas do fenômeno, os especialistas advertem sobre a necessidade de se aprofundar o conhecimento em torno das causas sociais da violência psicológica no trabalho. O marketing social desenvolvido através da ação sindical organizada, aliado à difusão de informações junto aos trabalhadores acerca da dinâmica, métodos empregados pelos perversos, é, sem dúvida, uma das melhores armas no combate ao assédio moral.
Por outro lado, no âmbito individual, é aconselhável desenvolver estratégias de defesa, seja anotando e datando os fatos, seja buscando aliados que, no futuro, poderão servir como testemunhas num possível processo judicial. Já a prevenção promovida pela empresa é certamente a mais eficaz forma de combate dessa violência tanto silenciosa quanto destruidora, todavia apenas razões de natureza econômica não são suficientes para convencer organizações a ensarilhar armas contra o assédio moral (consultar o capítulo que trata da prevenção na obra citada).
Sob o aspecto da proteção jurídica, é preciso evidenciar para vítimas e agressores os instrumentos jurídicos de proteção e punição para coibir essa espécie de violência. No Brasil existem alguns projetos de lei no plano federal visando punir o "mobbing" no serviço público e tipificar a conduta criminosa. Além disso, algumas capitais importantes como São Paulo, Rio de Janeiro e algumas cidades do interior já aprovaram leis prevendo a coibição dessa violência no âmbito da administração pública municipal.
A primeira tentativa de dar uma definição jurídica para o assédio moral partiu de uma Comissão da União Européia, segundo a qual "mobbing" é uma situação na qual a pessoa vem maltratada ou perseguida em circunstância ligada ao trabalho, surgindo uma explícita ou implícita ameaça a sua segurança e saúde. Países como Noruega, Suécia, Austrália e França já possuem legislação específica contra o "mobbing". Em diversos outros países membros da União Européia tramitam, nos parlamentos, projetos de lei no sentido de coibir o terrorismo psicológico no trabalho, a exemplo do que se verifica no Parlamento português, onde a ementa do projeto se refere ao terrorismo psicológico ou assédio moral, expressão, aliás por nós adotada para intitular nosso estudo.
A lei recém-aprovada na França, conforme inteligente análise da jurista italiana Luiza Lerda, acolheu uma noção bastante ampla do conceito de "mobbing" no local de trabalho, considerando tanto o de natureza vertical como horizontal.
De um modo geral, pode-se afirmar que essa norma tem por objetivo precípuo evitar que, através do assédio moral, o trabalhador seja ferido na sua dignidade profissional e sucessivamente se afaste voluntariamente do trabalho.
Adotou-se a nulidade como remédio geral para todo e qualquer ato de modificação in peius das condições de trabalho (quarentena, redução direta ou indireta do salário, rebaixamento de função, modificação do posto de trabalho com prejuízo, transferência); igualmente nos casos de o contrato sofrer solução de continuidade (dispensa, demissão ou licenciamento). O mesmo se aplica para todos os casos de punição disciplinar que tenham alguma conexão com a prática de "mobbing".
A pretensão do legislador francês é zerar todas aquelas condições negativas que se fazem acompanhar do terror psicológico e que fragilizam e dificultam a defesa da vítima. Além disso, a tutela é reforçada diante da expressa previsão da inversão do ônus da prova, transferindo para o agressor a incumbência de demonstrar a inexistência do assédio quando o trabalhador tenha apresentado elementos suficientes para deixar presumir a existência do assédio e de um dano.
Na Itália, embora ainda não haja uma legislação específica, a jurisprudência de primeiro grau proferiu sentença reconhecendo dois casos de "mobbing".
No julgamento de primeiro grau do caso de uma senhora vítima de assédio moral por parte de um chefe de setor, diante da prova inequívoca do dano, da autoria e do nexo de causalidade entre o fato e os distúrbios psicossomáticos alegados pela vítima, o juiz, após uma exaustiva instrução processual, concluiu pela aplicação do art. 2.087 do CC, que prevê a responsabilidade do empregador para com a proteção da integridade física, psíquica e moral do empregado.
5. CONCLUSÃO
No estudo que realizamos, constatamos que a violência psicológica não se aplica apenas aos empregados, mas igualmente se verifica durante os testes de seleção para o emprego. Diante da avalanche de casos e a violência do fenômeno, a primeira indagação que salta é se o nosso ordenamento jurídico, visto no seu conjunto, dispõe de normas capazes de coibir o assédio moral, e se, em virtude da inexistência de norma geral de proteção ao emprego, a legislação trabalhista em vigor protege a vítima, ou se eficazmente aplicadas as atuais disposições da CLT, estas poderão redundar em mais uma punição para o trabalhador.
E, afinal, na era da flexibilização das relações de trabalho, é producente pensar em outras medidas que poderão ser adotadas no sentido de evitar o fenômeno "mobbing". Ou podemos deixar a decisão de punir ou não essa prática, restrita à vontade das organizações?